Kátia Stocco Smole é doutora em Educação pela FEUSP, na área
de ensino de matemática. Maria Ignez Diniz é professora doutora do IME/USP e da
FEUSP.
Ambas coordenam o grupo de formação e pesquisa Mathema, de São Paulo.
É frequente os professores acreditarem que as dificuldades apresentadas por
seus alunos em ler e interpretar um problema ou exercício de matemática estejam
associadas a pouca competência que eles têm para leitura. Também é comum a
concepção de que se o aluno tivesse mais fluência na leitura nas aulas de
língua materna, consequentemente ele seria um melhor leitor nas aulas de
matemática. Embora tais afirmações estejam em parte corretas, pois ler é um dos
principais caminhos para ampliarmos nossa aprendizagem em qualquer área do
conhecimento, consideramos que não basta atribuir as dificuldades dos alunos em
ler problemas à sua pouca habilidade em ler nas aulas de português. A
dificuldade que os alunos encontram em ler e compreender textos de problemas
estão, entre outras coisas, ligadas a ausência de um trabalho pedagógico
específico com o texto do problema, nas aulas de matemática.
O estilo nos quais geralmente os problemas de matemática são escritos, a falta
de compreensão de um conceito envolvido no problema, o uso de termos
específicos da matemática e que, portanto, não fazem parte do cotidiano do
aluno, e mesmo palavras que têm significados diferentes na matemática e fora
dela - total, diferença, ímpar, média, volume, produto - podem se constituir em
obstáculos para que a compreensão ocorra.
Para que tais dificuldades sejam superadas e até, para que não surjam
dificuldades é preciso alguns cuidados com a proposição dos problemas desde o
início da escolarização até o final do Ensino Médio. Cuidados com a leitura que
o professor faz do problema, cuidados em propor tarefas específicas de
interpretação do texto de problemas, ter enfim um conjunto de intervenções
didáticas destinadas exclusivamente a levar os alunos a lerem problemas de
matemática com autonomia e compreensão. Neste artigo pretendemos indicar
algumas intervenções que temos utilizado em nossas ações junto a alunos e
professores e que têm auxiliado a tornar os alunos melhores leitores de
problemas.
A leitura dos problemas com alunos no início da alfabetização
Quando os alunos ainda não são leitores o professor lê todo o problema para
eles e, como leitor auxilia os alunos lendo o problema, garantindo que todos
compreendam, cuidando para não enfatizar palavras chave e usar qualquer recurso
que os impeça de buscar a solução por si mesmos. Mas há outros recursos dos
quais o professor pode se valer para explorar alfabetização e matemática
enquanto trabalha com problemas.
Um deles é escrever uma cópia do problema no quadro e fazer com os alunos uma
leitura cuidadosa. Primeiro do problema todo, para que eles tenham idéia geral
da situação, depois mais vagarosamente, para que percebam as palavras do texto,
sua grafia e seu significado.
Propor o problema escrito e fazer questionamentos orais com a classe, como é
comum que se faça durante a discussão de um texto, auxilia o trabalho inicial
com problemas escritos:
* quem pode me contar o problema novamente?
* há alguma palavra nova ou desconhecida?
* do que trata o problema?
* qual é a pergunta?
Novamente o cuidado nessa estratégia é para não resolver o problema pelos
alunos durante a discussão e também, não tornar esse recurso uma regra ou
conjunto de passos obrigatórios que representem um roteiro de resolução. Se
providenciar para cada aluno uma folha com o problema escrito, o professor pode
ainda:
* pedir aos alunos que encontrem e circulem determinadas palavras;
* escrever na lousa o texto do problema sem algumas palavras, pedir para os
alunos em duplas olharem seus textos, que devem ser completos, e descobrirem as
palavras que faltam. Conforme as palavras são descobertas os alunos são
convidados a ir ao quadro e completar os espaços com as palavras descobertas.
Em todos esses casos o professor pode escolher trabalhar com palavras e frases
que sejam significativas para os alunos ou que precisem ser discutidas com a
classe, inclusive aquelas que se relacionarem com noções matemáticas. Os
problemas são resolvidos após toda a discussão sobre o texto, que a essa altura
já terá sido interpretado e compreendido pela classe uma vez que as atividades
que sugerimos aqui contemplam leitura, escrita e interpretação simultaneamente.
Ampliando possibilidades para os leitores
Para os alunos do ensino fundamental e médio que já lêem com mais fluência
textos diversos, o professor pode propor outras atividades envolvendo textos de
problemas. A primeira delas, sem dúvida, é deixar que eles façam sozinhos a
leitura das situações propostas.
A leitura individual ou em dupla auxilia os alunos a buscarem um sentido para o
texto. Nessa leitura o professor pode indicar que cada leitor tente descobrir
sobre o que o problema fala, qual é a pergunta, se há palavras desconhecidas.
Aí então é possível conduzir uma discussão com toda a classe para socializar as
leituras, dúvidas, compreensões. Novamente não se trata de resolver o problema
oralmente, mas de garantir meios para que todos os alunos possam iniciar a
resolução do problema sem, pelo menos, ter dúvidas quanto ao significado das
palavras que nele aparecem.
Assim, se houver um dado do problema, um termo que seja indispensável e que os
alunos não conheçam ou não saibam ler, principalmente no início do ano, o
professor deve revelar seu significado, proceder à leitura correta. Esse
processo pára quando os alunos entendem o contexto dos problemas. Nesse processo
é possível ainda que o professor proponha aos alunos que registrem, no caderno
ou em um dicionário, as palavras novas que aprenderam, ou mesmo aquelas sobre
as quais tinham dúvida para que possam consultar em outras vezes que for
necessário. Em relação àqueles termos que tenham significados diferentes em
matemática e no uso cotidiano, o ideal é que sejam registrados no caderno dos
alunos com ambos os significados, podendo inclusive escrever frases que
ilustrem esses significados. Vejamos outras estratégias.
* apresentar aos alunos problemas com falta ou excesso de dados para que eles
analisem a necessidade ou não de informações no texto;
* apresentar aos alunos o texto de um problema no qual falte uma frase ou a
pergunta, deixar que eles tentem resolver e que tentem completar aquilo que
falta para o problema ser resolvido;
* apresentar um problema com frases em ordem invertida e pedir que os alunos
reorganizem o texto;
* pedir que os alunos elaborem problemas com palavras que apresentam sentidos
diferentes quando utilizadas em matemática e no cotidiano: tira, produto;
domínio; diferença, etc.
Desejamos finalizar nossas considerações com o alerta de que essas ações que o
professor pode empreender para tornar o aluno leitor de um problema não podem
ser esporádicas, nem mesmo isoladas. É necessário que haja um trabalho
constante com essas estratégias, em todas as séries escolares, pois será apenas
enfrentando a formação do leitor e do escritor como uma tarefa de todos os
professores da escola, inclusive de matemática, que criaremos oportunidades
para que todos eles desenvolvam essas habilidades que são essenciais para que
possam aprender qualquer conceito, em qualquer tempo. Ler e escrever nas
diferentes disciplinas constitui uma das chaves mais essenciais para a formação
da autonomia a partir da escola.
Para saber mais:
* Pozo, J.I. (org) A solução de problemas. Porto Alegre, Artmed: 1998.
* Reys, R.E. e Krulik, S. (orgs.). São Paulo: Atual, 1998.
* Smole, K., Diniz, M.I. e Cândido, P. Resolução de problemas, coleção
Matemática de 0 a 6, vol. 2. Porto Alegre: Artmed, 2000.
* Smole, K. S. e Diniz, M.I. (orgs.) Ler, escrever e resolver problemas:
habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.
Informações sobre esses livros: http://www.saraiva.com.br
http://www.livrariacultura.com.br